Título do filme |
Nome do crítico |
Cidade |
Data da Crítica |
Mar (O) |
João Pedro Machado |
Ermesinde |
9/28/2002 |
“O MAR”, de Agustí Villaronga
CLASSIFICAÇÃO: **** (Muito Bom)
“O Mar” faz-me lembrar os filmes que, há uns anos, na minha adolescência,
passavam na RTP2 a altas horas (por vezes, às 2, 3 da manhã; nessa altura,
eu conseguia, com facilidade, ficar acordado até muito tarde... hoje, não
posso dizer o mesmo) e me fizeram descobrir o meu gosto pelo cinema dito “de
qualidade”. Eram filmes europeus, pesados, de uma enorme melancolia e
intensidade, que ousavam abordar e filmar aquilo que a maioria dos
realizadores populares eram incapazes (depois, conheci o cinema independente
norte-americano, que se consegue aproximar deste universo, apesar de nunca
atingir a mesma brutalidade e realismo).
Pensei que já não se faziam filmes destes; afinal, estava enganado...
Não me apetece falar da narrativa; interessa-me mais a mensagem: o
sentimento de culpa é terrivelmente destrutivo!
A pulsão de vida e a pulsão de morte num filme impressionante, que aconselho
vivamente!
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Título do filme |
Nome do crítico |
Cidade |
Data da Crítica |
Memento |
João Pedro Machado |
Ermesinde |
9/28/2002 |
“MEMENTO”, de Christopher Nolan
CLASSIFICAÇÃO: ***** (Excelente)
Antes de mais, um desabafo: como é que é possível um filme tão importante
como este estrear apenas numa sala do país? É que nem sequer estreou no
Porto! Nestas ocasiões é que os cineclubes se revelam fundamentais, já que
foi em Viana do Castelo que tive a oportunidade de assistir, nas sessões
cineclubísticas que aí se realizam, a esta obra fascinante!
E o seu fascínio reside no dispositivo encontrado para contar esta história
de um homem que desde um acidente passou a sofrer de uma doença de perda da
memória imediata, ou seja, recorda-se de toda a sua vida antes do acidente,
mas desde aí, vai esquecendo tudo o que lhe acontece, a memória dura apenas
uns minutos. E o dispositivo é: imaginem que têm uma história e a dividem em
várias partes; pois bem, este filme começa na última parte e vai
retrocedendo até à primeira, o que é um desafio à atenção do espectador (é
impossível assistir-se de forma passiva a este “Memento...) e, graças à
excelente montagem, o resultado é empolgante e eficaz, além de ser
muitíssimo original!
E depois há a reviravolta final (inicial?), completamente imprevisível, de
nos deixar boquiabertos...!
Assistir a “Memento” é viver uma experiência arrebatadora, apesar de
sentados na cadeirinha do cinema. Não deve ser fácil produzir esse efeito e
portanto o realizador, Christopher Nolan, está de parabéns!
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Título do filme |
Nome do crítico |
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Data da Crítica |
MIB II - Homens de negro II |
João Pedro Machado |
Ermesinde |
9/28/2002 |
“MIB II – HOMENS DE NEGRO II”, de Barry Sonnenfeld
CLASSIFICAÇÃO: ** (Mais ou Menos)
Odiei o primeiro “Homens de Negro”! Gostei mais desta sequela... Porquê? Há
três hipóteses: 1) O filme é de facto melhor; 2) Já me adaptei ao estilo,
que, portanto, já não me irrita tanto; 3) O dia em que vi o filme foi o dia
do meu aniversário. Acredito que a solução esteja nas duas últimas
hipóteses, porque, objectivamente, não me apercebi de melhorias
cinematográficas.
De salientar, no entanto, as hilariantes cenas em que aparece o cão, muito
mais engraçado do que o convencido e irritante Will Smith!
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Título do filme |
Nome do crítico |
Cidade |
Data da Crítica |
Monster’s Ball - Depois Do Ódio |
João Pedro Machado |
Ermesinde |
9/28/2002 |
“MONSTER’S BALL – DEPOIS DO ÓDIO”, de Marc Forster
CLASSIFICAÇÃO: **** (Muito Bom)
Este é um filme muito bonito, envolvente, pausado... Creio que exige
disponibilidade do espectador para se deixar levar, sem pressas. Transmite
uma tranquilidade que persiste após o seu visionamento, quanto mais não
fosse por aquela cena final de enorme apaziguamento, que faz lembrar a cena
final do também muito belo “The Straight Story – Uma História Simples”, de
David Lynch.
A realização é cuidada e de um grande bom-gosto.
As interpretações são todas muito boas, mas destaco os protagonistas: Billy
Bob Thornton e Halle Berry; ambos são magníficos e teria sido lindo que, na
noite dos óscares, tal como aconteceu com Halle Berry na categoria de melhor
actriz principal, também o nome de Billy Bob Thornton tivesse sido
pronunciado quando se anunciou o vencedor na categoria de melhor actor
principal; infelizmente, incompreensivelmente, ele nem sequer estava
nomeado...
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Título do filme |
Nome do crítico |
Cidade |
Data da Crítica |
Monster’s Ball - Depois Do Ódio |
Daniel Pereira |
Ramada |
10/02/2002 |
Monster’s Ball – Depois do Ódio
O racismo é um flagelo social que continua a preocupar o indivíduo comum. É também verdade que em todo o mundo existe esse belo sentimento que se chama amor e que tem a capacidade de ultrapassar qualquer obstáculo. Obstáculos como o racismo ou perdas de entes queridos. A força deste amor, bem como a necessidade do mesmo, é bem evidenciada em Monster’s Ball – Depois do Ódio.
Hank Grotowski (desempenho fabuloso de Billy Bob Thornton) é um guarda prisional racista que juntamente com o filho Sonny vai levar a cabo a execução de um negro condenado á morte: Lawrence Musgrove. Sonny não partilha com o pai a aversão a outras raças o que deixa o pai furioso e desiludido. Mais tarde Sonny suicida-se por ser incapaz de continuar a não ser amado pelo pai. Neste ponto surge-nos a reflexão sobre a força que um ideal, neste caso o racismo, é capaz de exercer sobre um indivíduo. É através da não partilha deste ideal entre pai e filho que o primeiro vai assistir, friamente, à morte do segundo. O que será capaz de elucidar um homem que tem mais respeito ao seu ideal do que ao filho? O amor. O amor inesperado.
O amor surge na vida de Hank através da pessoa mais inesperada: Leticia Musgrove (outro espantoso desempenho, lançando Halle Berry de vez), ou seja, a viúva do executado Lawrence. Isto acontece após a ajuda de Hank a Leticia (sem ela saber que foi ele quem executou o marido) na noite em que o filho desta é atropelado mortalmente e através de encontros regulares que os dois, a partir daí, vão ter. Consequentemente, têm uma noite de sexo escaldante. É de referir a importância desta cena de sexo. Sexo primitivo filmado friamente (como todo o filme) que funciona como uma libertação de ideais e perdas e confirma aquilo que lhes é mais importante no momento: o seu amor. Renascem. Este ponto de viragem na vida de ambos dá-se após a noite de sexo em casa de Leticia. Hank acorda e vai-se refrescar; ao mesmo tempo, reflectido no espelho situado acima do lavatório vê-se um retrato do falecido marido de Leticia, desenhado pelo falecido filho, pendurado na parede, simbolizando o distanciamento já existente entre o passado e o presente.
Marc Forster assina aqui, na sua segunda longa-metragem, uma realização portentosa. O argumento é forte e pesado. No entanto, seria qualquer realizador capaz de filmar todo este material pesado? Nem todos. E menos ainda o transformariam num filme envolto de uma sensação de mal-estar como o fez Forster. O argumento é, muitas vezes, expresso por imagens e não palavras. O espectador é obrigado a ouvir os sons para lá do silêncio, silêncio esse que está bastante presente como, por exemplo, no maravilhoso final. As próprias personagens, que são maravilhosamente interpretadas, são caracterizadas por uma dor interior que, de certa forma, lhes dificulta a comunicação. Tudo isto filmado através de uma fotografia cinzenta e outonal que se enquadra belissimamente.
Com vontade de ver o próximo Forster...
A não perder.
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Título do filme |
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Cidade |
Data da Crítica |
Monstros e Companhia |
João Pedro Machado |
Ermesinde |
9/28/2002 |
“MONSTROS E COMPANHIA”, de Peter Docter
CLASSIFICAÇÃO: ***** (Excelente)
Um filme divertidíssimo, por vezes comovente, e que demonstra que é possível
fazer uma obra-prima sem utilizar processos muito complexos. Junto com “Toy
Story” e “AntZ”, “Monstros e Companhia” é, efectivamente, uma das
obras-primas de animação da última década (bem como a curta-metragem que a
precede: “For the Birds”: deliciosa!).
Não percam o genérico final do “Monstros e Companhia”, com as cenas
falhadas; é hilariante!
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Título do filme |
Nome do crítico |
Cidade |
Data da Crítica |
Moulin Rouge |
Ricardo Costa Pinto |
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9/25/2002 |
Moulin Rouge! é um filme musical escrito e realizado por Baz Luhrmann que conta com um elenco com Nicole Kidman, Ewan McGregor, John Leguizamo, Jim Broadbent e Richard Roxburgh nos principais papéis.
O filme tem como cenário o Montmartre boémio do início do século XX, precisamente no ano 1900, e conta a clássica história, já banal, de um rapaz, que é um escritor pobre, que se apaixona por uma cortesã inalcancável de cabaré, Satine. Enquanto isso ele escreve uma peça para um teatro musical que será financiada por um Duque unidimensional que exigirá a posse de Satine. É uma daquelas histórias que conclui que o amor é o mais importante, e que o amor vence todos os obstáculos. O que é uma pena. O filme torna-se assim inteiramente previsível desde os primeiros minutos. Com um argumento original, eu poderia vir a considerar este filme uma obra-prima. Assim é só «quase».
Mas por outro lado, trabalhar uma história previsível não é novidade para Baz Luhrmann, que já tinha imprimido uma nova cenografia, um novo contexto e conceito à peça de Shakespeare «Romeu e Julieta», surpreendendo o espectador no campo visual apesar do texto ser amplamente conhecido. De facto, a história de «Moulin Rouge!» lembra também uma outra peça do mesmo dramaturgo, «Sonho de uma Noite de Verão». Assim, talvez a previsibilidade da história nos leve a apreciar o que este filme tem de novo e de valioso a nível da fotografia e da cenografia.
É um musical muito bem dirigido, com montagem de video clip, e isto vindo de um realizador que já dirigiu óperas como «La Bohème». Muito apropriado.
De facto nota-se a experiência nas coreografias e no pôr-em-cena meticuloso do espectáculo. Em «Moulin Rouge!» o que não falta é movimento. De facto, o filme é extremamente rico visualmente, destinado a maravilhar os olhos, com jogos de cores, luzes, contrastes, brilhos, e efeitos especiais. Há dezenas de dançarinas com roupas coloridas e contrastes a preto e branco dos fraques dos visitantes. Há sopradores de fogo, um organizador frenético, bastidores, electricidade. E tudo isto apresentado em câmara sempre em movimento, com uma montagem num ritmo muito rápido, que vai acalmando ao longo do filme à medida que os personagens caminham para o desfecho, não sem antes explodir de novo num show final.
Os efeitos especiais são extremamente sofisticados e inesperados num filme que afinal não é um filme de época. Os brilhos em forma de coração, os personagens a elevarem-se até às nuvens, a paisagem de Paris reconstruída a partir de postais, retiram verosimilhança e substituem-na por fantasia.
Há cuidado no modo como a cor é trabalhada, com muitas cores nos espectáculos, com Satine vestindo roupas exclusivamente vermelhas ou pretas, as cores do desejo e do mistério. Satine também entra e sai constantemente de zonas escuras, como que adivinhando o final. O filme inicia-se com muita cor mas caminha para o final com uma predominância cromática azul, com interlúdios sépia e laranja.
A música do «Moulin Rouge!» é uma colecção de música do século XX, predominantemente da década de 90. Se esta escolha anacrónica recompense os jovens espectadores das salas de cinema actuais, será que o filme, tal como o «Espectacular, Espectacular», continuará interessante daqui a cinquenta anos? Provavelmente, até porque a data escolhida para o cenário do filme, o ano 1900, parece querer justificar precisamente esta selecção de músicas do século XX tão ecléctica, que vai desde o Can-Can até aos Nirvana e Fat Boy Slim. Aliás, a própria Satine surge no filme como Marlene Dietrich, Marilyn Monroe e Madonna, três símbolos de artistas da música no ecrã de diferentes épocas do século.
A forma como as músicas foram adaptadas à forma de diálogo foi através da colagem de diferentes letras e músicas na mesma canção, presenteando o espectador musicalmente mais apreciador à medida que este vai reconhecendo os diferentes artistas autores de cada fragmento. E consegue fazê-lo sem desvirtuar as músicas originais, graças a uma excelente orquestração, da qual destaco a música de Elton John, que se até parece feita de encomenda para o filme, a música dos Queen «Show Must Go On», que era inevitável mas que surge no momento exacto do desenvolvimento da narrativa, e a mistura de Sting com o som do Tango em «Roxanne». Todas estas músicas conduzem ao espectáculo final, com música original, que serve de conclusão.
Moulin Rouge! é um excelente filme de entretenimento, que tem como objectivo deslumbrar o espectador e deixá-lo sem tempo de digerir cada uma das cenas, em que a sensação final depois de ter visto o filme é a de ter assistido a um grande espectáculo. Este é apenas o terceiro filme de Baz Luhrmann, pelo que espero pelo futuro para assistir a mais grandes obras e melhores filmes do realizador.
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Título do filme |
Nome do crítico |
Cidade |
Data da Crítica |
Moulin Rouge |
João Pedro Machado |
Ermesinde |
9/28/2002 |
“MOULIN ROUGE”, de Baz Luhrmann
CLASSIFICAÇÃO: *** (Bom)
Antes de mais, as qualidades deste filme: é visualmente deslumbrante e… hum…
hum… Bem, acho que é tudo! Claro que isso é importante; vale as três
estrelinhas que eu dei. Além disso, esse aspecto engloba muitos outros: a
fotografia, a direcção artística, a cenografia, o guarda-roupa, a
caracterização (“Moulin Rouge” é o provável vencedor dos óscares dessas
categorias).
Quanto aos defeitos, há também apenas um: o seu argumento básico e
desprovido de qualquer originalidade. Baz Luhrmann está apenas interessado
no espectáculo e descura completamente a história. Aliás, Baz Luhrmann é
assim desde o seu primeiro sucesso comercial (“Strictly Ballroom – Vem
Dançar!”). E não deixa de ser curioso verificar que a sua obra-prima (“Romeu
e Julieta”) não foi escrita por si, mas por um excelente dramaturgo
(Shakespeare).
Tenho que confessar que me faz confusão haver tanta gente que dá 5 estrelas
ao “Moulin Rouge” e que admite a pobreza do seu argumento... Para, ainda
assim, darem a pontuação máxima é porque esse aspecto é, para essas pessoas,
absolutamente irrelevante! Não partilhamos, de maneira nenhuma, a mesma
concepção de cinema!
Quanto às interpretações, o estilo acelerado de mudança de planos, que, na
minha opinião, resulta muito bem, não permite, contudo, avaliar a prestação
dos actores. É necessária uma duração mínima de plano para se fazer uma
apreciação fundamentada de uma composição, porque não basta ver-se as
expressões faciais e corporais, é também importante observar as suas
construções. Portanto, não compreendo a nomeação da Nicole Kidman para o
óscar de melhor actriz principal...
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Título do filme |
Nome do crítico |
Cidade |
Data da Crítica |
Mulher Fatal |
João Pedro Machado |
Ermesinde |
9/28/2002 |
“MULHER FATAL”, de Brian De Palma
CLASSIFICAÇÃO: ***** (Excelente)
A obra-prima de Brian De Palma!
Tecnicamente perfeito, este filme é um regalo para os olhos! A sequência
inicial, a do roubo das jóias, é prodigiosa, aliando um suspense eficaz a
uma “mise en scène” visualmente deslumbrante!
O argumento pega nas convenções do “film noir”, “baralha-as e dá de novo”,
numa espécie de paródia subtil àquele estilo (como recentemente os irmãos
Coen fizeram no filme “The Man Who Wasn’t There – O Barbeiro”). Como bónus,
Brian De Palma oferece-nos uma reviravolta final, o que é sempre
estimulante...
Rebecca Romijn-Stamos é uma presença pujante, sendo uma exemplar “mulher
fatal”.
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Título do filme |
Nome do crítico |
Cidade |
Data da Crítica |
Mulholland drive |
João Pedro Machado |
Ermesinde |
9/28/2002 |
“MULHOLLAND DRIVE”, de David Lynch
CLASSIFICAÇÃO: ***** (Excelente)
Se eu não visse com os meus olhinhos, não acreditava que fosse possível
filmar-se assim, com esta perfeição! É que suplanta tudo o que já foi
feito, mas... de longe!
Assistir a este “Mulholland Drive” no cinema (em televisão, muita da magia
desaparecerá, provavelmente...) é uma experiência assombrosa, arrebatadora,
arrepiante, deslumbrante; em suma, celestial! Se Eric Rohmer e Woody Allen
são os mestres do argumento, David Lynch é o maior realizador do mundo!
E mesmo que as protagonistas deste filmes sejam muito boas actrizes, o que
as torna especiais é o modo como Lynch as filma...
Mas... para quê tentar? Ainda não foram inventadas palavras que se adequem a
uma obra destas...!
A MINHA INTERPRETAÇÃO DA HISTÓRIA (quem não viu o filme e não quiser
conhecer a narrativa, não deve ler esta parte):
Diane chega a Hollywood decidida a tornar-se uma estrela. Está um lindo dia
de sol! Hollywood é deslumbrante, tal como Diane imaginara. Durante a viagem
de avião, tomou conhecimento com um casal de velhotes naturais de Los
Angeles, também eles muito simpáticos e hospitaleiros.
Diane, depois de se instalar numa casinha (não me recordo se era o número
12...?), começa a ir a audições. Afinal, Hollywood não é tão perfeita... As
audições falham uma atrás da outra; Diane acha que tem talento, portanto o
problema será de quem faz a escolha. Começa a formar uma teoria da
conspiração: os actores já estão escolhidos antes das audições, impostos
pelos produtores. É assim que ela conhece Camilla. Camilla será uma dessas
sortudas que “conhece as pessoas certas” e fica com o papel que deveria ser
para Diane. Diane já perdeu o sorriso, o sonho, a ingenuidade. Já não
acredita que possa vir a ser uma estrela; contenta-se com ser uma actriz
anónima, com pequenos papéis. Torna-se amiga de Camilla, porque esta lhe
pode proporcionar isso. E assim acontece... Mas afinal Camilla revela-se uma
pessoa especial. Exerce um fascínio sobre toda a gente, incluindo Diane, que
se apaixona por Camilla, sem perceber que se está a apaixonar pelas
características que também desejava possuir: uma personalidade forte e
cativante e talento para ser actriz. Volta o sorriso, o sonho, a
ingenuidade... No entanto, o amor não é correspondido. Camilla relaciona-se
sexualmente com Diane, mas, estando integrada no espírito de Hollywood,
comporta-se de acordo, ou seja, é promíscua e superficial nos
relacionamentos. Envolve-se com um realizador de cinema, beija qualquer
mulher que encontre numa festa. Ainda por cima, toda a gente a adora! Toda a
gente prefere aquela mulher sem sentimentos a si, Diane, que tem um coração
muito mais terno. Começa a desejar que Camilla morra... Decide-se, por fim,
a contratar alguém para a matar. O assassino contratado dá-lhe uma chave a
que ela terá de dar uso depois da morte de Camilla. Diane vai para casa e
espera. Deita-se e adormece. Começa a sonhar...
No início do sonho (é o início do filme), um carro percorre uma rua, a
Mulholland Drive, de noite. É Camilla a passageira. Não sabe que o condutor
do automóvel é quem a deve assassinar... No entanto, algo corre mal, há um
acidente e apenas Camilla se salva, mas amnésica. Não sabe sequer o seu
próprio nome... Perto dali, está uma cidade iluminada: é Los Angeles.
Dirige-se para lá.
(Uma pausa na narrativa para fazer uma observação: David Lynch, para o
sonho, utiliza o dispositivo que nós já vimos no filme português “Adeus Pai”
(lembram-se?): caras que o sonhador conhece, mas fazendo pessoas diferentes
da vida real. A única que “faz” o seu próprio papel é Camilla, que, no
entanto, não sabe quem é...)
Em Los Angeles, Camilla acaba por se refugiar numa casa de uma senhora que
vai viajar.
Betty (que, no sonho, tem a cara de Diane) chega a Hollywood no dia
seguinte. Aqui, Diane recorda a sua própria chegada a Hollywood, só que
agora instala-se na casa de uma tia que foi viajar; ou seja, a casa onde
está Camilla.
A parte do sonho é bastante compreensível e não vale a pena eu descrevê-la
ao pormenor. Elas ficam amigas; Betty ajuda Camilla a descobrir quem é. Na
mala que Camilla transporta (que pertenceria ao assassino) encontra-se muito
dinheiro e uma chave igual à que o assassino dera a Diane. Entretanto, Betty
participa numa audição e é fabulosa! (No sonho, tem o talento que desejava
ter na vida real...) Há um realizador a quem é imposta uma actriz para o seu
próximo filme (que se chama Camilla e tem a cara de uma das amantes de
Camilla na vida real), por senhores muito poderosos (Máfia?). Ele começa por
resistir, mas acaba por ceder. Aliás, a vida dele desmorona-se, também a
nível familiar, com a mulher a traí-lo com outro homem e não deixa de ser
curioso que esse realizador tenha a cara do realizador que tem um caso com
Camilla na vida real... Diane concretiza, no sonho, a sua vingança para com
esse homem que lhe roubara Camilla...
O nome Diane Selwin diz qualquer coisa a Camilla... Ela e Betty descobrem
uma única Diane Selwin em Los Angeles. Vão à casa dela; ninguém atende à
campainha; elas entram por uma janela destrancada e encontram, estendido na
cama, um corpo; um corpo sem vida, já ligeiramente “apodrecido”, de uma
morena. No seu sonho, Diane, pensando que Camilla morrera, transforma-se no
objecto do seu amor (que também é o seu ídolo) e morre também...
Betty e Camilla acabam por se envolver sexualmente. Depois, descobrem uma
caixa fechada, com uma fechadura. Camilla tenta abrir com a chave que tinha
desde o acidente. A caixa abre. Camilla olha para o seu interior. Diane
acorda do sonho.
Batem à porta. É a vizinha que há três semanas que tenta encontrar Diane
(três semanas a dormir? Como é que Diane não suspeitou que algo estava mal
nesta “realidade”?). Diane devolve-lhe as suas coisas, vê, em cima da mesa,
a chave e, depois da vizinha sair, vai preparar um chá. Camilla surge
novamente (“Camilla, you’re back...!”) e desaparece logo a seguir. Diane
senta-se a tomar o seu chá. Olha a chave num misto de atracção e repulsa...
O que será que a chave abre? (Estará alguém nas traseiras do café?) O seu
maior receio concretiza-se: da caixa, aberta pela chave, saem os maiores
monstros possíveis: o casal de velhotes que a acompanharam na viagem de
avião, que a introduziram em Hollywood, que a introduziram no local que
afinal era tudo menos idílico, no local que se veio a tornar a sua perdição!
Eles perseguem-na pela casa. Ela pega numa pistola e dispara. Acorda do
sonho. Nós ficamos sem saber o que se segue porque o filme acaba.
Agora as duas cenas de que não falei, propositadamente: a cena do homem a
contar o seu sonho ao amigo e a cena do espectáculo a que Camilla e Betty
vão assistir.
Estas duas cenas são as pistas que David Lynch nos oferece para desvendar
todo o filme. Ou seja, a banda que se houve, mas não está lá; a mulher que
parece que canta, mas que, ao perder os sentidos, percebemos que não era
ela, porque continuamos a ouvir a mesma coisa... É muito fácil sermos
iludidos! E se quando estamos a contar um sonho a alguém, estivermos nesse
momento a sonhar (como acontece naquela terrível cena do homem a contar o
seu sonho ao amigo)? E se acordarmos de um sonho, mas afinal o que aconteceu
é que sonhamos que acordamos, mas ainda estamos a sonhar (que é o que
acontece a Diane no fim)? Por vezes, é difícil distinguir a realidade da
ilusão. Por isso o “Silencio!”. Se deixarmos de ouvir a banda, acaba a
ilusão. Diane acordou!
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